"SECA MALVADA"
Este é um estudo que sempre desejei realizar sobre poesias, letras musicais, músicas de letras e poesias, textos literários, discursos e obras literárias em geral. Tarefa para doutos que acanhadamente nos afoitamos ingressar nela. Mas, como dizem que Deus escreve certo por linhas tortas, vamos deitar a nossa linha apesar de toda torta e rezar para ver se o nosso bom Deus a desentorta.
Bem, vamos iniciar com uma letra e uma música de nome “Seca Malvada” de autoria do compositor Lalo Prado e Cecílio Nena, música que suponho ser de Zezé Di Camargo e Luciano.
Esta composição musical a considero como sendo um hino do retirante. O retirante é aquele ser humano sofrido e abatido pelas condições inóspitas do tempo - tempo aqui entendido como as condições climáticas e às intempéries a que está submetido esse indivíduo, tais como a seca, a sequidão da terra, o calor abrasante da terra, o chão cru duro e agressivo que maltrata os pés e calejam o corpo que se torna ressecado e casposo em virtude dessa agressão calorífica do sol marvado. O tempo, as condições climáticas do sertão nunca foi um tempo bom. Ou falta chuva, e, tudo torra e resseca, vira torrão em virtude da brasa do calor solar, ou chove demais em pé d’água que transtorna tudo, rebenta paredes de açudes e barragens e barreiros não suportam o peso de tanta água em conseqüência de estarem com suas paredes ressecadas, e, a água arromba tudo, leve todos de roldão e logo mais estará tudo seco outra vez. Ó seca malvada!
Mas, vamos conhecer a letra dessa Canção musical, "Seca Malvada"
“A CHUVA QUE DEMORA
TENHO QUE IR EMBORA
QUANDO ABRIR ESTA CARTA
VOCÊ VAI SABER AMOR, NÃO CHORA
EU JÁ ESTOU NA ESTRADA
JÁ VOU LONGE DE CASA
TUDO QUE EU LEVO É A CORAGEM
A DOR DA SAUDADE, SECA MALVADA
EU SÓ QUERIA A RIQUEZA
DE TER SOBRE A MESA O POUCO QUE PLANTEI
COMO COLHER NA CIDADE A DIGNIDADE
QUE EU TANTO SONHEI
A SOLIDÃO É A SECA NO CHÃO
QUE SÓ FAZ OS MEUS OLHOS CHOVER
MEU CORAÇÃO DE LUAR DE SERTÃO
QUER UM DIA VOLTAR PRA VOCE”.
Bem, para que alguém possa entender e interpretar o sentimento de quem elaborou a poesia é preciso ter conhecimento do que seja a dor e o sofrimento de um retirante, de um sertanejo, de um caboclo nascido e vivenciado o torrão de terras secas e miseráveis, essa dor que em uma poesia nossa a denominamos de “a dor da inclemência”. Dói demais a espera da chuva para um sertanejo, dói a ponto de fazê-lo chorar e ficar triste com pena da miséria e da lamúria dos miseráveis que também choram e lamentam. Tem que ver para crer, meus irmãos! Para esse irmão nascido nesses torrões natais, pode demorar tudo, até a própria morte, para qual ele nem estar ligando, agora, santo Deus mande a chuva, por misericórdia! Mande a chuva...
Sim, pois se chover dá de tudo e fartura tem de porção. Seja, é condição indispensável que caia a gota d’água. A demora que significa a seca que é falta d’água representa a morte de tudo. Morrem todas as esperanças, especialmente aquelas de se viver ao lado e perto de quem se gosta e ama. E de quem mais se gosta e adora, podem perguntar a um sertanejo, é do seu torrão natal. Por que a terra estando fértil e refrescada com as preciosas gotas d’água, de resto tudo se arranja, tudo melhora. Se a terra do sertão estiver molhada e verdejante é sinal para o sertanejo de que ele jamais terá a necessidade de se tornará um retirante. Por isso o clamor a rogar a vinda providencial da chuva.
Acaso a chuva demore tem-se que ir embora. É condição imprescindível que a chuva chegue, venha e molhe com todas as suas propriedades o solo sofrido e ressecado, o tornando fértil e aproveitável para que se fique com os seus entes queridos e amados. Se tal fato não se der o sertanejo com o peito sangrando e dolorido tem que se retirar em busca de vida para dar vida a tudo o que ama e gosta.
A Quem não conhece essa realidade pode parecer que se estar fugindo da responsabilidade, mas não é o que verdadeiramente ocorre. O que se dar é que, é necessário se fugir da desgraça e da miséria que implacavelmente assola a todos, indistintamente, como que a dizer salve-se quem puder, ou aquele que tiver peito e coragem dê o seu jeito, então morrerá. E se foge... Ás vezes, muitas vezes, às escondidas para que ninguém veja que se esta fugindo da desgraça e da miséria, por que se for visto no intento dessa fuga, bate um desânimo e uma tristeza que impede de se concretizar o desejo. Se amolece a coragem, bate o choro e se acovarda e fica pra morrer no torrão ressequido das plagas sertanejas, que são milhões ali abrigados, santo deus!!
Mas, o desgarramento se dar com muito dor e sofrimento. Só Deus o sabe o quanto se vê compungida a alma desse ser aviltado com a desventura da sorte, por ter nascido sertanejo. Como se sente desprezado pelas contingências da vida, ovelha desgarrada que terá que dar notícias e dizer para os que ficaram que foi obrigado a deserdar, deixando-os para trás para não deixá-los morrer. Quando abrir esta carta, amor você vai saber, mas pelo amor de Deus não chora! Podemos afirmar categoricamente que haverá choros e que todos chorarão simultaneamente, os que estão lendo a carta e aquele que a remeteu, a sintonia e afinidades espirituais são tão intensas e verdadeiras que todos chorarão como se estivessem juntos e presentes àquele ato de amor divino. Deus assim o quis...
Vejam meus irmãos que coisa maravilhosa. Olhem o que o desgraçado pede e quase implorando àqueles a quem abandonou e deixou num primeiro momento à própria sorte, pede... Não chora! Compreenda o meu ato de desvario a minha fuga pertinaz, audaciosa, deixando para trás os que me deram a própria vida, ou que me mantiveram por algum tempo vivendo até este momento, que se sente ferido de morte por ter deixado para trás os seus e que pode até nunca mais vê-los, mas tudo com a melhor das boas intenções, pois quer um dia voltar pra vocês!! Esperem por mim, se tudo der certo vou voltar para o meu lugar, sou sertanejo, amo o sertão, por favor, não chorem isso me enfraquece e eu preciso de muita coragem e força para vencer e mantê-los vivos e voltar para reencontrá-los. Amor, não chora!(cont.)
Rio, 26/12/2010
Emmanuel Avelino.